O gesto de Catarina Demony não se limita a uma confissão pública; é uma convocação para a reflexão e acção. Ela desdobra a história com uma precisão que é tanto jornalística quanto pedagógica, detalhando como a sua família, entre outras elites portuguesas, participou activamente do tráfico de escravos de Angola para o Brasil até meados do século XIX.
Este ato de transparência e cidadania consciente é um exemplo quintessencial de urbanidade, uma demonstração de respeito pelo espaço coletivo que partilhamos como cidadãos e pela dignidade de todas as pessoas afectadas por essa história.
Ao optar por um discurso educativo em vez de um tom de vergonha, Catarina eleva a narrativa para um plano onde o aprendizagem e a compreensão se tornam possíveis. O seu trabalho serve como um recurso educativo que pode ser utilizado para esclarecer as complexas redes de causa e consequência que moldaram a história social e económica de Portugal e das suas relações com outras nações.
O documentário proposto por Catarina Demony oferece uma oportunidade para os portugueses de todos os estratos sociais entenderem melhor as origens de desigualdades estruturais e como estas foram perpetuadas através de gerações. É uma oportunidade de desmistificar e enfrentar os fantasmas do racismo, utilizando a história como uma lente através da qual podemos revisar e reformar práticas contemporâneas.
Mais do que um projeto pessoal, a iniciativa de Catarina é um convite para que outras famílias investiguem e partilhem as suas histórias. Este movimento tem o potencial de catalisar conversas em âmbitos tanto privados quanto públicos, desde cafés até grandes fóruns académicos, fomentando uma cultura de investigação e diálogo aberto que é essencial para a reconciliação e o progresso social.
Em última análise, o trabalho de Catarina Demony não apenas enaltece a sua figura como comunicadora e educadora, mas também como uma cidadã exemplar, comprometida com a verdade e a justiça social. Catarina Demony lembra-nos que, ao confrontar o nosso passado com integridade e coragem, podemos abrir caminhos para um futuro mais justo e equitativo. A sua abordagem não procura apagar o passado, mas iluminá-lo, permitindo que aprendamos com ele para não repetir os mesmos erros.
Catarina sublinha ainda : "Esta conversa deveria permitir encetar um debate em Portugal". Este é, de facto, o primeiro passo para resolvermos as questões não resolvidas do nosso passado colectivo.
Este diálogo é visto por ela como um passo essencial para a reconciliação nacional e para a criação de um futuro em que a justiça e a igualdade prevaleçam. Ao propor esta conversa, Catarina espera não apenas educar, mas também inspirar uma mudança significativa na forma como o passado é percebido e integrado na consciência coletiva do país.
Morgado Jr.
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Foto de destaque: IA; Esta cena poderosa e sombria captura as correntes simbólicas deixadas nas margens de Luanda, Angola, representando o fim da escravidão. O ambiente tranquilo e o mar refletivo ao entardecer convidam a um momento de reflexão histórica.