A história não existe para ser mitificada: existe para ser compreendida. Como lembrava Eric Hobsbawm, “a história é o que acontece quando deixamos de acreditar em versões convenientes do passado”.
É precisamente essa revisão crítica que permite um contraponto sólido aos argumentos apresentados.
1. O PS nunca foi o “partido do imperialismo”. Foi o partido da institucionalização da democracia.
Reduzir o PS a um instrumento de interesses externos ignora o essencial: foi o partido que garantiu a consolidação pacífica do regime democrático, num país devastado económica e socialmente após décadas de ditadura.
Sem o PS — e sem o seu papel moderador — Portugal teria enfrentado riscos reais de rutura institucional em 1975.
O mérito de estabilizar a democracia não é um pecado histórico: é um legado.
A influência de figuras internacionais, incluindo Frank Carlucci, é um facto histórico documentado. Mas confundir apoio externo com submissão estratégica é falso e redutor. A integração europeia, apoiada pelo PS, trouxe investimento, direitos laborais, modernização das infraestruturas e proteção social. A produtividade e o PIB per capita duplicaram entre os anos 80 e o início do século XXI — um fenómeno amplamente documentado por economistas como Barry Eichengreen ou Paul Krugman.
2. As intervenções do FMI não são prova de neoliberalismo estrutural, mas reflexo de crises globais.
Portugal pediu assistência ao FMI três vezes: duas em períodos de inflação internacional galopante (anos 70 e 80) e uma terceira na crise financeira global de 2008–2011.
Nenhuma destas crises foi causada por decisões ideológicas do PS. Eram tempestades externas que varreram várias economias europeias — incluindo Irlanda, Grécia, Espanha e Reino Unido.
A narrativa de culpa exclusiva é politicamente eficaz, mas economicamente insustentável.
3. A ideia de que o PS não acompanha a nova ordem global é factualmente incorreta.
O mundo mudou — e o PS mudou com ele.
A globalização reconfigurou cadeias de valor, a digitalização acelerou a economia, a China tornou-se potência tecnológica e energética.
A resposta socialista, ao contrário do que se afirma, não foi de passividade. O partido acompanhou as agendas europeias de:
transição energética;
inovação tecnológica;
modernização industrial;
inteligência artificial;
digitalização da administração pública;
investimento em ciência e ensino superior.
Portugal é hoje líder europeu em produção de energias renováveis, infraestruturas digitais e ligação à rede elétrica europeia — temas impulsionados por governos socialistas.
Henri Kissinger lembrava que “o teste da liderança não é resistir à mudança, mas reconhecê-la antes dos outros”.
Nesse prisma, o PS superou largamente as expectativas.
4. A crise da social-democracia europeia não significa a crise do PS.
É verdade que vários partidos socialistas europeus perderam relevância. Mas a generalização é abusiva:
Em Espanha, o PSOE governa.
Na Dinamarca, os sociais-democratas governam.
Em Portugal, o PS ganhou as eleições legislativas de 2022 com maioria absoluta.
Na Alemanha, o SPD lidera a coligação governamental.
Em Malta, os trabalhistas dominam politicamente há décadas.
O PS não é um corpo estranho na Europa — é uma das exceções bem-sucedidas.
5. O PS mantém a capacidade de ser alternativa porque continua a ser o único partido verdadeiramente central na política portuguesa.
A tese de que Portugal caminha inevitavelmente para uma bipolarização entre direita liberal e extrema-direita ignora a própria dinâmica social do país:
Portugal não é cultural nem historicamente alinhado com modelos iliberais.
O PS é o único partido com:
base social transversal;
implantação nacional consistente;
experiência governativa sólida;
capacidade de diálogo com o centro, a esquerda e setores moderados da direita;
visão europeísta convergente com as preferências da maioria dos portugueses.
As eleições europeias, legislativas e autárquicas das últimas décadas mostram essa evidência repetidamente.
6. Não existe qualquer rutura inevitável dentro do PS — apenas debate democrático saudável.
As divergências internas não são sintoma de fragmentação terminal, mas sinal de vitalidade democrática.
O PS sempre conviveu com alas diferentes — soaristas, guterristas, socratistas, costistas — sem perder identidade.
O paralelo com o Partido Socialista Francês é falacioso: a crise do PSF resultou de fatores muito específicos, incluindo a implosão ideológica provocada por Macron, que em Portugal simplesmente não tem equivalente.
O caso português é estruturalmente distinto e todos os estudos eleitorais recentes mostram que o eleitorado socialista mantém coesão e identidade próprias.
7. O futuro do PS depende da sua capacidade de continuar a fazer o que sempre fez: adaptar-se.
O partido não está em fim de ciclo — está em fase de transição estratégica.
E isso é uma força, não uma fraqueza.
a defesa do Estado Social;
o investimento em inovação e ciência;
a aposta na educação pública;
o combate à desigualdade;
o compromisso europeu;
a visão progressista e humanista;
a capacidade de governar com estabilidade.
É aqui que reside a diferença fundamental: enquanto a direita oscila entre liberalismo económico e populismo securitário, o PS mantém coerência ideológica e pragmatismo político. Como escreveu Amartya Sen, “desenvolvimento é liberdade” — e essa é a matriz que o PS sempre soube defender.
A crise existe, sim — mas é conjuntural.
Estrutural é a capacidade do PS de se reinventar sem perder o seu centro moral.
Fontes e leituras recomendadas
Eichengreen, B. (2007). The European Economy Since 1945. Princeton University Press.
Hobsbawm, E. (1994). Age of Extremes. Vintage.
Krugman, P. (2009). The Return of Depression Economics. W. W. Norton.
Sen, A. (1999). Development as Freedom. Oxford University Press.
Dados oficiais: Eurostat – https://ec.europa.eu/eurostat
OCDE – https://www.oecd.org
FMI – https://www.imf.org
Banco de Portugal – https://www.bportugal.pt