Maria Isabel de Bragança, nascida em Queluz em 1797, filha de D. João VI e Carlota Joaquina, foi mais do que consorte de Fernando VII de Espanha.

Foi uma verdadeira mecenas da cultura europeia. Numa corte marcada por instabilidade política e pelo peso da tradição absolutista, Isabel teve a audácia de sonhar com um museu público, acessível a todos — um gesto quase revolucionário para a sua época.

Foi por sua iniciativa que se concebeu a criação de uma galeria real com as obras da Casa de Bourbon, até então dispersas e restritas à aristocracia. Em 1819, esse sonho tomou forma: nascia o Museu Real de Pintura e Escultura, hoje conhecido em todo o mundo como o Museu do Prado. Não foi o rei quem o idealizou. Foi a portuguesa.

Importa sublinhar: o Prado foi o primeiro museu público da Península Ibérica. Muito antes do Museu Nacional de Arte Antiga, fundado em Lisboa apenas em 1884, e do Museu Soares dos Reis, criado em 1833. Em plena era do absolutismo restaurado, uma portuguesa soube antecipar uma visão moderna: a arte como património de todos, e não privilégio de poucos.

Com apenas 21 anos, e já enfraquecida pela doença, Maria Isabel plantou a semente daquele que viria a ser um dos maiores centros de arte europeia. Morreu grávida no ano seguinte, sem ver o museu ganhar a notoriedade que hoje tem — um museu que acolhe Velázquez, Goya, El Greco e Rubens, e por onde passam milhões de visitantes por ano.

E nós, portugueses, o que fizemos dessa memória? Pouco ou nada. Nenhuma praça em Lisboa lhe faz justiça. Nenhuma escola pública leva o seu nome. Poucos livros de História lhe concedem mais do que uma nota de rodapé. Num país tantas vezes distraído com a própria grandeza, continua a faltar uma pedagogia do orgulho — essa capacidade de reconhecer e celebrar o que os nossos fizeram além-fronteiras.

O caso de Maria Isabel de Bragança devia ser estudado nas escolas, relembrado nos museus e reconhecido nas políticas culturais. Não apenas por nacionalismo, mas por justiça. Porque recordar esta Rainha é também lembrar que Portugal deu à Península Ibérica não apenas tratados e alianças, mas também arte, ideias e visão civilizacional.

A cultura portuguesa não se esgota nos confins do nosso território. É atlântica, sim — mas também europeia. E Maria Isabel de Bragança é prova viva de que houve um tempo em que uma portuguesa sonhou com um museu para todos. E venceu.

É tempo de retribuir-lhe a homenagem.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, historiador e autor