Essa leitura infantilizada cai por terra quando a História nos recorda que um dos maiores políticos de sempre, Winston Churchill, não só mudou de partido como voltou atrás e ainda venceu eleições.

O percurso de Churchill mostra um pragmatismo raro, sobretudo quando comparado com a rigidez tribal que domina o sistema português. Começou como conservador, aderiu aos liberais, percebeu que estes caminhavam para a irrelevância e regressou aos conservadores. Essa dança política não lhe retirou credibilidade. Pelo contrário, deu-lhe estatuto de estadista capaz de adaptar-se às circunstâncias e de colocar o destino do país acima da fidelidade partidária.

Churchill não via a política como uma guerra de claques. Via-a como uma luta pela sobrevivência de valores fundamentais. O facto de ter derrotado Hitler, depois de tantas voltas partidárias, prova que grandeza política não se confunde com disciplina de bancada. Grandeza política mede-se na capacidade de agir em nome do interesse nacional, mesmo que isso implique trocar de lado quando o campo político se torna estéril.

Ironias da vida de Churchill servem bem para expor o atraso mental de quem confunde partidos com clubes. O mesmo homem que, no início dos anos 30, foi ridicularizado como um político falhado regressou ao poder em 1940 e tornou-se o símbolo da resistência ao nazismo. Em Portugal, uma carreira assim teria terminado ao primeiro ziguezague. Não haveria lugar para redenções, apenas a condenação eterna na praça pública dos fiéis ao emblema.

Outro detalhe que desarma qualquer purista partidário é o Prémio Nobel da Literatura que Churchill recebeu. O homem que mudava de partido como quem muda de casaco escreveu obras históricas que ainda hoje são lidas em universidades. Em Portugal, qualquer político que ouse ter cultura literária é olhado com desconfiança. É visto como alguém que devia dedicar-se à poesia em vez de estragar o jogo tático da intriga partidária.

E que dizer da ironia de Churchill ter sido afastado do poder em 1945, precisamente depois de ganhar a guerra. O povo britânico reconheceu-lhe a glória militar, mas quis reformas sociais. Churchill perdeu, engoliu a derrota e voltou a ganhar eleições anos mais tarde. Em Portugal, a simples hipótese de alguém perder e regressar seria tratada como um atentado ao regime. A política nacional prefere eternizar líderes esgotados em congressos e concílios de facções.

A lição de Churchill é clara. A política não se reduz a claques barulhentas nem a fidelidades automáticas. A política é o espaço onde se mede a coragem de mudar quando as circunstâncias exigem mudança. Portugal continua a viver aprisionado por um sistema político caducado, dominado por entricheirados partidários que confundem convicção com fanatismo e estabilidade com imobilismo. Churchill teria sido varrido daqui ao primeiro passo fora da linha. Talvez por isso estejamos condenados a viver sem Churchills e apenas com claques organizadas.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor