Este é o segundo artigo de uma série de três em que analisaremos sucessivamente os três partidos da Esquerda parlamentar portuguesa: o PS, o Bloco e o PCP.

Fundado no rescaldo do PREC pela junção de três fações anteriormente adversárias – hoxistas (UDP), trotskistas (PSR) e social-democratas de esquerda (Política XXI) – que procuravam estancar a perda de quadros, que após o 25 de Novembro de 1975 se começaram a transferir em grande número para o PS e para o PSD, o Bloco de Esquerda (BE) conseguiu um espaço político na sociedade portuguesa, agregando essencialmente uma parte da intelectualidade e alguns grupos dispersos implantados nas classes trabalhadoras anteriormente afiliados com a UDP.

Cedo o Bloco de Esquerda se afirmou com um partido social-democrata visando introduzir em Portugal a visão liberal europeia relativamente a temas sociais e cívicos que ainda enfrentavam grande oposição de uma sociedade fortemente conservadora e eivada de valores católicos ultramontanos. Essa modernização social / moral era absolutamente necessária no quadro da integração europeia que as classes dominantes pretendiam implantar e consolidar no nosso país. Como os grandes partidos do sistema, PS e PSD não pretendiam suportar o custo da impopularidade que daí podia advir, o Bloco encontrou um espaço privilegiado de atuação, muito apoiado pela comunicação social dominante.

Assim o Bloco tornou-se o grande iniciador e incitador de debates como o dos direitos LGBTQ+, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da adoção de crianças por casais do mesmo sexo, do feminismo liberal na defesa de acesso das mulheres às posições de liderança nas empresas, no governo, no parlamento e participou também em causas como a legalização da interrupção voluntária da gravidez. Estes temas tiveram grande impacto na sociedade o que levou o BE a crescer significativamente.

À medida que essas temáticas se tornavam indisputadas, consensuais na sociedade portuguesa e alinhadas com as práticas dos países centrais da União Europeia, o Bloco avançou para outras causas mais ousadas e extremadas como a eutanásia, uma prática levada a cabo em grande escala na Alemanha Nazi e um perigo para as crianças doentes, os deficientes e as minorias nacionais. Mas mesmo a eutanásia acabou sendo aprovada no Parlamento com os votos do PS e a aquiescência do PSD sem grande alarme social.

Esgotada a agenda do “aggiornamento” cultural / ético / moral da sociedade portuguesa em moldes semelhantes aos da União Europeia, já nada distinguia o BE da ala esquerda do PS. Várias fações internas reclamaram mesmo essa aproximação estratégica visando salvar os seus lugares de deputados. A direção do Bloco recusou esse hara-kiri político e procurou então um maior posicionamento à esquerda procurando apelar às classes trabalhadoras. Mas anos de políticas em torno de causas cívicas tinham produzido outro tipo de quadros e militantes. Essa política não tinha pessoas que lhe dessem corpo.

Por outro lado nos países centrais da União Europeia os ventos estão a mudar e os direitos cívicos das minorias (Negros, Ciganos, etc.) estão a ser postos em causa e revistos. A xenofobia contra imigrantes está em crescendo. O grande argumento do BE – vejam como é na Suécia, na Alemanha, como é lá fora – esfuma-se e esse argumento, o do exemplo dos outros países mais desenvolvidos, está melhor hoje, infelizmente, nas mãos do Chega.

Terminada a aproximação aos direitos cívicos progressistas europeus, impossibilitado de reiniciar uma aproximação à classe trabalhadora, o BE não tem hoje nada para oferecer e a comunicação social fecha-lhe os canais de comunicação.

Temas como a imigração tornaram-se impopulares e exigem uma coragem e determinação fortes, o movimento antirracista começa a tomar um cariz revolucionário afastando-se do BE (um bom exemplo é a saída de Mamadou Bá do Bloco e outro a formação do movimento Vida Justa), a ecologia está em crise com a guerra na Ucrânia e a necessidade de energia (volta o carvão, o nuclear e o gás poluente de xisto americano).

O apoio à Palestina, com a participação de Mortágua na flotilha, uma excelente iniciativa de suporte a uma causa justa, não sortiu qualquer efeito porque esse suporte não tem sido consistente ao longo do tempo.

O apoio à Ucrânia colocou o Bloco no grupo dos apoiantes de uma guerra nuclear e fora do campo dos que lutam pela Paz na Europa e no campo dos que não percebem que nessa guerra entre a NATO e Rússia em que os ucranianos são meros peões e simples vítimas começou no início do século XXI com o alargamento da NATO a Leste. Como hoje é evidente não existe tal coisa como uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia (esta só faz o que lhe mandam).

Das suas causas pouco ou nada resta que seja glamoroso e possa interessar às classes dominantes que ajudaram a aproximar da Europa central em termos de direitos cívicos. O seu papel parece ter-se esgotado.

Pode o Bloco de Esquerda reinventar-se? O ressente regresso das figuras históricas do Bloco (Louçã, Rosas, Fazenda) mostra que a nostalgia se sobrepõe a qualquer tentativa de reposicionamento estratégico. Qual poderia ser esse novo posicionamento? Regresso ainda mais ao passado com o ressurgimento dos grupos iniciais? Insistir no caminho que já se provou errado? Uma fusão com o Livre? Repescar a integração no Partido Socialista? Uma dissolução? Tudo está em aberto.

Sem dúvida a crise do Bloco é estrutural. Pior, é mesmo existencial. O desaire nas autárquicas, com a consequente renúncia de Mortágua, levanta o espetro de uma debandada interna.