No entanto, em 2024, este ritual cultural encontra-se num delicado impasse, enfrentando uma oposição crescente devido ao agravamento dos riscos de incêndio na ilha.
Este verão tem sido particularmente desafiador para a Madeira. Até agora, os incêndios florestais consumiram aproximadamente 14% da área natural da ilha, uma perda ambiental incalculável que ainda ecoa nas memórias dos madeirenses. O cenário de devastação é evidente: vastas áreas de floresta foram reduzidas a cinzas, e a fauna e flora locais, algumas das quais endémicas e únicas no mundo, encontram-se em perigo iminente.
As autoridades têm estado em alerta máximo, e a comunidade científica não hesita em alertar para o aumento do risco de incêndios, exacerbado por alterações climáticas e por condições meteorológicas extremas.
A continuidade da Festa da Queima dos Fachos, que envolve a queima de fachos feitos de arbustos e materiais inflamáveis nas encostas, tornou-se um tema controverso. De um lado, encontra-se uma comunidade fortemente enraizada nas suas tradições, que vê na festa uma forma de reafirmar a sua identidade cultural.
Por outro, um crescente número de especialistas e autoridades que alertam para o perigo de perpetuar uma prática que pode desencadear incêndios numa ilha já fragilizada pelos últimos acontecimentos.
A obstinação de algumas comunidades em querer realizar a festa este ano, desconsiderando os alertas e o risco evidente de mais incêndios, levanta questões preocupantes. Como é possível que se coloque a tradição acima da segurança e da preservação do ambiente?
Esta é uma pergunta que ecoa não só entre os madeirenses, mas também a nível nacional. Num tempo em que os incêndios florestais são cada vez mais destrutivos e imprevisíveis, manter uma prática que envolve fogo em larga escala pode ser visto como uma imprudência inaceitável.
A proibição da festa, decretada pelas autoridades locais, gerou descontentamento entre os habitantes. No entanto, a decisão é sustentada por razões inquestionáveis: a preservação do património natural da ilha, a proteção da vida humana e animal, e a necessidade urgente de prevenir mais catástrofes ambientais.
Como bem apontou o geógrafo e ambientalista Carlos Pereira, "a tradição é importante, mas deve evoluir em harmonia com a realidade atual; insistir em práticas perigosas pode comprometer o futuro de todos".
Apesar das vozes discordantes, há também um movimento crescente de cidadãos que compreendem a gravidade da situação e apoiam a decisão de suspender a queima este ano. Estes defensores do ambiente propõem alternativas, como a realização de eventos simbólicos que celebrem a cultura e a união comunitária sem colocar em risco a natureza já tão fustigada.
A Festa da Queima dos Fachos representa muito mais do que um simples ritual festivo; é um símbolo de resistência e de coesão social. No entanto, o mundo mudou, e com ele, as prioridades e os valores da sociedade devem adaptar-se. A necessidade de preservar o meio ambiente e proteger a vida deve prevalecer sobre qualquer tradição, por mais significativa que seja.
Como escreveu o filósofo Edmund Burke, "um estado sem os meios de alguma mudança é sem os meios de sua conservação". Assim, é tempo de a Madeira refletir sobre o verdadeiro valor da sua herança cultural e de encontrar novas formas de a honrar, sem comprometer o futuro.
A suspensão da queima este ano não é um fim, mas sim um convite à inovação e à preservação da cultura, aliada ao respeito pela natureza que tanto define a identidade desta ilha maravilhosa.
É fundamental que cada um de nós, enquanto cidadãos conscientes e membros desta comunidade, reflita sobre o papel que desempenhamos na preservação da nossa cultura e do nosso ambiente.
A suspensão da Queima dos Fachos este ano deve servir como um ponto de inflexão, onde o amor pela tradição se alinha com a responsabilidade ambiental. Se deseja estar sempre informado e participar ativamente nas discussões que moldam o futuro da nossa sociedade, convidamo-lo a subscrever o *Estrategizando*.
Juntos, podemos continuar a explorar temas relevantes, promover o diálogo informado e encontrar soluções que protejam o que nos é mais caro – tanto a nossa cultura como o nosso planeta.
Morgado Jr.
---
Foto de destaque: Criacao de IA