O Japão, tradicionalmente um dos maiores aliados económicos e financeiros dos Estados Unidos, está a reavaliar a sua posição em relação ao dólar.

No início de abril de 2025, investidores japoneses venderam mais de 20 mil milhões de dólares em títulos do Tesouro norte-americano, num movimento que representa a maior liquidação em sete semanas consecutivas de desinvestimento em obrigações estrangeiras.

Este movimento não é um fenómeno isolado. Ao longo dos últimos dois anos, o Japão tem vindo gradualmente a reduzir a sua exposição à dívida pública dos EUA. De acordo com dados do Departamento do Tesouro norte-americano, as participações japonesas em títulos do Tesouro caíram de 1,29 biliões de dólares em 2022 para cerca de 1,13 biliões em 2024, embora continue a ser o maior credor estrangeiro dos EUA.

Crise do iene e pressão cambial

Um dos principais fatores por detrás desta estratégia é a fragilidade persistente do iene japonês, que tem enfrentado sucessivas desvalorizações face ao dólar. Para proteger a sua moeda, o Banco do Japão foi forçado a intervir no mercado cambial, vendendo dólares e comprando ienes, o que exigiu a liquidação de parte dos seus ativos denominados em dólares – nomeadamente, obrigações do Tesouro dos EUA.

Estas intervenções representam um dilema estratégico para o Japão: manter o apoio à dívida americana ou defender a estabilidade interna da sua economia. Com uma dívida pública doméstica superior a 260% do PIB, o Japão enfrenta pressões internas para conter o endividamento e evitar novas ondas de inflação importada, sobretudo nos setores da energia e alimentação, que dependem fortemente de importações.

Implicações para os EUA e o sistema financeiro global

Esta decisão japonesa ocorre num momento de crescente instabilidade na política económica dos Estados Unidos, marcada por tensões comerciais com aliados estratégicos, aumentos de tarifas e incerteza em torno das políticas monetárias da Reserva Federal.

O impacto direto destas vendas é o aumento das taxas de juro dos títulos do Tesouro, uma vez que a diminuição da procura obriga o governo dos EUA a oferecer maiores retornos para atrair novos compradores. Isto tem um efeito dominó sobre a economia norte-americana:

  • Crédito mais caro para empresas e consumidores;

  • Taxas de juro hipotecárias em alta, dificultando o acesso à habitação;

  • Pressão sobre os mercados financeiros e risco de recessão.

Este contexto reacende o debate sobre a sustentabilidade do modelo de dívida dos EUA, que tem sido apoiado por décadas por credores estrangeiros como Japão e China. Com ambos os países a reduzirem as suas participações, a confiança na segurança do dólar como “porto seguro” global está a ser posta à prova.

Uma mudança de era?

Especialistas alertam que este poderá ser o início de uma nova era financeira global. O enfraquecimento do dólar enquanto reserva incontestada e o crescimento das alternativas (como o yuan, o euro ou até moedas digitais estatais) refletem mudanças geoeconómicas profundas, com impacto direto na arquitetura do sistema monetário internacional.

Apesar de os EUA manterem a primazia em termos militares e de influência global, a sua vulnerabilidade financeira está exposta, especialmente quando até os seus aliados históricos — como o Japão — começam a repensar a sua aliança económica com base em critérios de autossustentação nacional.

 

📌 Fontes consultadas:

  • Financial Times (2025, abril). Japanese investors dump US Treasuries amid yen turmoil. Disponível em: https://www.ft.com

  • Reuters (2025, abril). Japanese investors sold net 3.3 trillion yen ($21.6 billion) in overseas bonds in early April. Disponível em: https://www.reuters.com

  • U.S. Department of the Treasury – Treasury International Capital (TIC) System. Major Foreign Holders of Treasury Securities. Disponível em: https://ticdata.treasury.gov

  • Bloomberg News (2024, novembro). Japan Dumps US Debt to Defend Yen Amid Currency Crisis. Acesso através de terminal Bloomberg.