Nascida no interior do estado de São Paulo. Seu pai, Ernesto Francesco Guidon, era natural da cidade de Turim (Itália) e a sua mãe, Cândida Viana de Oliveira, tinha ascendência colonial luso-brasileira.

Licenciada  em História pela Universidade de São Paulo (USP), em 1959, especializou-se em Arqueologia Pré-histórica, arte rupestre, na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne (1961–1962), e doutorou-se em Pré-história, em 1975, com a tese intitulada Les peintures rupestres de Varzea Grande, Piauí, Brésil, sob a orientação de André Leroi-Gourhan.

A primeira notícia sobre São Raimundo Nonato e o que viria a ser o Parque Nacional da Serra da Capivara chegou a ela em 1963, numa exposição de pinturas rupestres de Lagoa Santa, Minas Gerais, no Museu Paulista da USP, onde ela trabalhava na época.

Apesar de seu interesse sobre assunto, ela não teve a oportunidade de conhecer a região naquele momento, porque uma denúncia a obrigaria a partir para o exilio da França para não ser presa durante a Ditadura Civil Militar após o golpe de 1964, pouco depois daquele encontro.

E no relato de Niède Guidon

“Eu era da Universidade de São Paulo. E tinha uma tia que tinha um amigo que era general. Um dia ele telefonou para ela e disse: 'A Niède tem que ir embora hoje porque ela vai ser presa'. Minha tia foi ao meu apartamento, me botou no avião, e eu fui embora. Não foi só comigo que aconteceu. Na época, pessoas que não tinham passado no concurso para professor da USP, que tinham ficado em segundo ou terceiro lugar, denunciaram os colegas que tinham sido aprovados para ficar com o lugar deles.”

Ela so conseguiria visitar o Piauí em 1973, depois de ter estado cerca de oito anos fora do Brasil, lecionando na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.

Muito interessada na riqueza dos sítios arqueológicos do Piauí, em 1978, ela convenceu o governo francês a estabelecer uma missão arqueológica para estudar a pré-história no Piauí.

Voltou assim ao Brasil, integrando a Missão Arqueológica Franco-Brasileira, uma iniciativa do Museu de História Natural de Paris para desenvolvimento de projetos de arqueologia e até à sua reforma  como docente, Niède Guidon seria a líder da missão, composta por investigadores brasileiros, franceses e de outros países, assim como assistentes de campo locais.

Depois disso, a seu convite, Eric Boëda, pesquisador do CNRS e professor da Universidade de Paris, sucedeu-a na liderança.

Ainda em 1978, ela e outros investigadores solicitaram ao governo brasileiro a criação de uma área protegida na região da Serra da Capivara. O Parque Nacional da Serra da Capivara foi criado em 1979, abrangendo uma área protegida pela UNESCO.

Foi também diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, sediada em São Raimundo Nonato, e hoje é presidente emérita.

Como arqueóloga chefe, Guidon foi responsável pela preservação, desenvolvimento e gestao  dos projetos arqueológicos do Parque. Ela e com os seus colegas descobriram mais de 800 sítios pré-históricos, que abriram pistas sobre o processo de povoamento das Américas e nesses sítios, mais de 600 contêm pinturas.

Em Pedra Furada, ela e seus colegas escavaram um sítio arqueológico de arte rupestre para descobrir evidências de uma cultura paleoamericana que eles acreditam ser de  30 000 anos A.P., datação muito mais antiga do que a preconizada por teorias anteriores acerca dos primeiros habitantes na área.

Niède registrou mais de 35 000 imagens arqueológicas e publicou inúmeros artigos e livros.

Quando eu cheguei à  França, aquilo do Piauí estava na minha cabeça. Assim que pude, organizei uma ação francesa pra São Raimundo Nonato pra tirar a limpo o que eram aquelas fotos que tinham me mostrado. Se via que era algo completamente diferente de Minas Gerais. Fiz um pedido ao CNRS, que é o Centro Nacional da Pesquisa Científica, corresponde ao CNPq brasileiro, fiz todo um levantamento do que já se sabia do Brasil, mostrei que era uma região sem nenhuma pesquisa, sendo necessário ir até lá. Tive o apoio dos meus professores e consegui a verba francesa. Meus colegas da Universidade de São Paulo, que tinham ficado, também foram me encontrar. Foi uma missão, desde o começo, franco-brasileira. Éramos em três: Silvia Maranca, Luciana Pallestrini e eu.'

Ainda em 1978, ela e outros pesquisadores solicitaram ao governo brasileiro a criação de uma área protegida na região da Serra da Capivara. O Parque Nacional da Serra da Capivara foi criado em 1979, abrangendo uma área protegida pela UNESCO.

Escrevi para o governador do Piauí [Dirceu Arcoverde], pedindo a criação do parque. Quatro anos depois, [em 1979,] foi criado, por um decreto do Figueiredo. Eu conhecia os sítios de arte rupestre da Europa e da África e vi a importância dos sítios daqui - a diferença que existia em relação aos outros. Então, fui falar com o Itamaraty e com a UNESCO. Primeiro, com o Itamaraty, dizendo que precisava pedir à UNESCO para que [o parque] fosse [declarado]patrimônio mundial. O Itamaraty me deu um passaporte de embaixador para eu ir à UNESCO. Na primeira apresentação, o pedido foi aprovado e, em 1991, o parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade.

As suas descobertas ganharam relevância pela primeira vez em 1986, com uma publicação na revista britânica Nature, na qual ela afirmou ter descoberto lareiras e artefatos humanos datados de 32 000 A.P.

Embora a datação tenha suscitado controvérsia,Guidon e seus colegas mostraram que a área foi ocupada por culturas de arte rupestre paleoamericanas e arcaicas - culturas que subsistiram com base na caça e coleta.

Em 1988 ela iniciou uma parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), para facilitar a continuação de suas escavações.

O mais famoso sítio pré-histórico estudado por Guidon é a Toca do Boqueirão da Pedra Furada,no parque da Serra de Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí um abrigo rupestre com 17 metros de profundidade

As suas paredes são pintadas com mais de 1 150 imagens pré-históricas e Guidon encontrou ainda milhares de artefatos que poderiam sugerir trabalhos manuais humanos - incluindo uma estrutura semelhante a uma fogueira, formada por troncos e pedras - que ela estima datarem de 48 700 anos A.P.

Ela acredita que humanos chegaram ao Brasil há cerca de 100 000 anos, provavelmente de barco, provenientes da África.

Os restos vegetais e animais recuperados dos níveis de 10 000 anos desse sítio e de níveis comparáveis de outro abrigo rochoso na Serra, o sitio de Perna, mostram que a área era mais húmida e mais florestada do que hoje. Todavia, o geoarqueólogo Michael R. Waters, da Universidade A&M do Texas, observou a ausência de evidências genéticas, nas populações modernas, para apoiar a reivindicação de Guidon.

A hipótese mais aceita, atualmente, sobre a chegada de humanos à América é a da passagem pelo Estreito de Bering - embora haja outras menos populares como a hipótese da passagem pelo Oceano Pacífico, que afirma que essas migrações, em direção às Américas, teriam vindo da Austrália, passando pelas ilhas - que eram então mais numerosas, em razão do nível do mar mais baixo.

Niède Guidon adere à segunda hipótese, além sustentar a hipótese de que os primeiros povoadores vieram pelo Atlântico, provenientes da África, o que explicaria vestígios datados de até 58 000 anos.

“Quando cheguei aqui e andava por aí, ainda havia índios que viviam escondidos onde hoje é a área do parque, nos anos 1970. Muitos índios tinham sido assassinados pelos brancos na região. Eu vi esses índios e observei que as características deles eram africanas. Não tinham nada de asiático. O homem daqui veio da África. Na Bahia, hoje, também já tem sítios com vestígios de características africanas. Também na América do Sul foram descobertos sítios, e está comprovado que os primeiros homens que chegaram aqui vieram da África. No México, faz uns dois anos, descobriram um esqueleto de uma jovem de 17 anos; fizeram exame de DNA e descobriram que ela tem DNA africano e asiático. Os africanos chegaram aqui, pelo Nordeste, e os asiáticos, por Bering”

Em 2006, divulgaram-se os resultados das pesquisas de Eric Boeda, da Universidade de Paris, e Emílio Fogaça, da Universidade Católica de Goiás, segundo os quais os objetos achados por Niède, em 1978, no Boqueirão da Pedra Furada, foram realmente feitas por seres humanos e são datados de 33 000 a 58 000 anos, contrariando hipóteses anteriores.

Niède Guidon morreu este  4 de junho de 2025 de causas não divulgadas.

Após a divulgação da morte, o governo do Piauí alegou que o legado de Guidon para a ciência e arqueologia é "inestimável" e decretou luto oficial de três dias.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação(MCTI) emitiu uma nota onde declara “com coragem, rigor científico e compromisso com a educação, Niède construiu um legado que transcende a ciência”.