Esta semana, no Algarve, 20 toneladas de morangos — praticamente toda a produção da segunda metade da campanha agrícola — foram deitadas fora. O motivo? O mercado externo mudou de gostos e de fornecedores.

A fruta, que estava destinada à Holanda, deixou de ser comprada de um dia para o outro. Sem escoamento, sem compradores, sem uma alternativa de canal solidário, os produtores ficaram com a única solução possível: destruir o fruto do seu trabalho.

Luís Rocha, produtor agrícola, contou à SIC que foi forçado a encerrar antecipadamente a campanha. “Como não houve escoamento no dia de hoje, amanhã também não vai haver. Íamos acumular fruta sem ter venda, então decidimos acabar com a campanha e em outubro voltamos outra vez”, afirmou.

Cerca de 50 mil euros de prejuízo e 20 toneladas de alimentos simplesmente descartados. Parte foi oferecida a instituições locais, mas a maioria apodreceu ou foi arrancada ainda por colher. Um retrato gritante de um sistema económico onde a produção é refém de mercados voláteis, interesses externos e ausência de planeamento solidário.

Num mundo com fome — literal e metafórica — é legítimo questionar: como é que um país europeu, com estrutura logística, com redes de distribuição, com programas sociais, permite que toneladas de fruta sejam destruídas?

Este é o retrato de um capitalismo perdulário, que idolatra o mercado mas se esquece da comunidade. A ideologia do “não há almoços grátis” torna-se tragicamente real quando até os morangos têm de morrer no campo para que o mercado continue “eficiente”.

E onde está o Estado? Onde estão os programas de aquisição pública para cantinas escolares, hospitais, lares e famílias carenciadas? Onde está a inteligência coletiva que deveria transformar excedentes em soluções?

Em vez de regulação, temos abandono. Em vez de estratégia, temos fé cega num mercado globalizado que troca produtores como quem troca de marca de água.

Não é apenas um desperdício agrícola. É um fracasso político e ético. Porque enquanto houver fruta a ser deitada fora, não podemos aceitar que haja gente a passar fome. E enquanto o lucro ditar a destruição do alimento, não há economia que nos salve — nem humanidade que resista.

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