No entanto, esta nova perspetiva não significa que eu tenha uma visão ingênua do mundo. A Rússia esteve muito mal na sua atuação na Ucrânia. Os EUA continuam a seguir políticas que reforçam o desequilíbrio global. E a Europa, que deveria ser o irmão mais velho, o mediador da estabilidade, perdeu essa capacidade de liderança.
Se há algo que os BRICS me fizeram perceber, é que o mundo precisa de menos egoísmo, mais solidariedade e uma nova estrutura de governança global. A Europa tem de se autorrenovar, aprender com esta mudança e posicionar-se como uma potência capaz de competir em pé de igualdade com os BRICS – mas dentro de um quadro legal que respeite valores universais de justiça e equilíbrio.
O futuro não pode ser um jogo de soma zero entre imperialistas ocidentais e imperialistas orientais. O mundo precisa de um novo paradigma, e os BRICS podem ser uma peça fundamental nessa equação.
Se há algo que os BRICS trouxeram à tona, foi a fragilidade do modelo ocidental tal como o conhecemos. Durante décadas, os EUA e a União Europeia dominaram a economia global, impuseram regras financeiras e decidiram os rumos do mundo. Mas o que acontece quando essa hegemonia começa a ser questionada?
A Rússia, com as suas ambições geopolíticas, mostrou que ainda carrega o peso do imperialismo do século XX. A invasão da Ucrânia foi um erro brutal, um reflexo da velha mentalidade de domínio territorial. Mas os Estados Unidos, ao responderem com uma postura bélica e unilateral, apenas alimentaram um conflito que poderia ter sido evitado com uma diplomacia mais inteligente.
Agora, Trump volta ao centro do palco, prometendo decretar o fim da guerra como se fosse um ditador global. Mas que autoridade tem ele para decidir unilateralmente o destino de milhões de pessoas? Esta abordagem não é diferente do que os russos fizeram, pois baseia-se na lógica do poder absoluto, na imposição de uma visão do mundo sem espaço para diálogo.
E a Europa? Perdeu-se numa burocracia sem visão, incapaz de se renovar e afirmar um papel de liderança global. A União Europeia deveria ser a força moderadora entre estes extremos, mas ao invés disso, parece seguir sempre os passos de Washington sem uma estratégia própria.
É aqui que os BRICS entram como um modelo alternativo. Não significa que sejam perfeitos, mas representam uma tentativa de quebrar este monopólio de poder e introduzir um mundo mais multipolar.
Os BRICS não são apenas um grupo de países emergentes – são um reflexo de uma mudança sistémica. Com a sua recente expansão, o bloco agora representa mais de 40% da população mundial e cerca de 37% do PIB global, medido pela paridade do poder de compra (PPP). Esta crescente influência reforça a sua posição como uma alternativa ao domínio das potências ocidentais, promovendo um modelo de cooperação económica e geopolítica mais descentralizado e multipolar.
Cada um dos seus membros fundadores desafia os modelos tradicionais de desenvolvimento:
• Brasil propõe um equilíbrio entre o crescimento económico e a justiça social.
• Rússia aposta numa abordagem estratégica e soberanista, mesmo que por caminhos questionáveis.
• Índia alia tradição e inovação, tornando-se um gigante tecnológico e económico.
• China desafia a hegemonia ocidental com uma abordagem pragmática e de longo prazo.
• África do Sul dá voz ao continente africano e à necessidade de um desenvolvimento mais inclusivo.
O que os une não é uma ideologia fixa, mas sim a rejeição da ideia de que o Ocidente tem o monopólio das soluções para o mundo. Os BRICS são um sinal de que o futuro não será decidido apenas por Washington ou Bruxelas, mas por uma diversidade de vozes.
E isto é algo que Portugal e os países da CPLP deveriam aproveitar, em vez de ficarem reféns de um único bloco de poder.
Os BRICS podem representar uma oportunidade estratégica para Portugal e para os países lusófonos.
• Investimento em Infraestruturas: A China já investe fortemente em Angola e Moçambique. Poderiam os BRICS expandir este investimento para outros países da CPLP?
• Novas Rotas Comerciais: Com a desdolarização da economia global, Portugal poderia reforçar laços com a Ásia, América Latina e África.
• Tecnologia e Educação: Parcerias com Índia e China poderiam criar polos de inovação nos países lusófonos.
Mas para isso, Portugal e a CPLP precisam de ser mais proativos e menos dependentes das diretrizes de Bruxelas. Precisam de olhar para o mundo com menos medo e mais ambição.
Se há algo que esta nova ordem mundial nos ensina, é que o futuro não pode ser um jogo de poder entre dois blocos.
Nem a visão imperialista da Rússia, nem o isolacionismo dos EUA, nem o eurocentrismo da Europa podem ser a resposta. O mundo precisa de um equilíbrio novo, onde diferentes modelos possam coexistir sem imposições.
E os BRICS, com todas as suas contradições, podem ajudar a abrir este espaço de diálogo.
A Europa tem de perceber isto. Tem de se reinventar, recuperar o seu papel de liderança e aprender a competir num mundo que já não gira apenas em torno do Atlântico Norte.
Os BRICS não são a solução para todos os problemas do mundo, mas são um sinal de que o futuro não pode continuar a ser decidido por meia dúzia de potências ocidentais.
Portugal e os países da CPLP devem olhar para esta mudança com inteligência e estratégia, sem ficarem reféns de uma única visão do mundo.
E a Europa, se quiser continuar a ser relevante, tem de perceber que o mundo já mudou – e que, se não se adaptar, ficará para trás.
No fim das contas, não se trata de escolher entre Ocidente e Oriente, mas de criar um futuro mais equilibrado, mais justo e menos dominado por lógicas imperialistas e unilaterais.
E essa, para mim, é a grande lição que os BRICS nos deixam.