O Acordo sobre a Conservação e Utilização Sustentável da Biodiversidade Marinha em Áreas para Além da Jurisdição Nacional (Biodiversity Beyond National Jurisdiction Treaty – BBNJ, na sigla inglesa), designado comumente como Tratado do Alto Mar, alcançou ontem 61 ratificações, ultrapassando o número mínimo de 60 Estados necessário para a sua entrada em vigor 120 dias após a ratificação, prevista para 17 de janeiro de 2026.

O Tratado estabelece um quadro jurídico internacional vinculativo para a proteção da biodiversidade marinha em áreas além das jurisdições nacionais, que representam mais de dois terços do oceano global, desempenhando um papel critico na manutenção da biodiversidade, na regulação climática e nos serviços de ecossistema dos quais dependem diretamente tantas comunidades.

Para a ZERO, ter-se atingido esta meta e assegurar a entrada deste Tratado, mesmo com obstáculos dos Estados Unidos da América e da Rússia que não ratificaram o documento, é um marco fundamental para a proteção do oceano.

No início da 3.ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC3), a 9 de junho, em Nice, apenas 32 países tinham ratificado o Tratado, embora vários Estados se tivessem comprometido a fazê-lo ainda em setembro, naquele que se apresentava como um instrumento promissor e inédito. Este percurso culmina agora com a 61.ª ratificação, incluindo Portugal, que se tornou o 22.º país a ratificar, a 9 de maio deste ano. Este avanço assinala uma afirmação clara do compromisso de Portugal com a governança do oceano e a proteção da biodiversidade marinha global.

A implementação do Tratado BBNJ vem colmatar uma lacuna jurídica existente na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), permitindo a criação de Áreas Marinhas Protegidas (AMP) em alto mar e assegurando que a conservação e o uso sustentável do oceano se realizem de forma coerente, integrada e baseada em evidência científica. O alto mar, que durante décadas permaneceu o lado oculto do oceano, praticamente sem regulamentação, deve agora ser reconhecido como um bem comum da humanidade, gerido com justiça e rigor científico.

A trajetória que conduziu a este momento prolongou-se por quase duas décadas. Em 2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu um grupo de trabalho para estudar a conservação da biodiversidade marinha em áreas para além da jurisdição nacional. Em 2011, resultou o acordo sobre um “pacote de questões-chave”, onde se incluam os recursos genéticos marinhos, ferramentas de gestão baseadas na área (Area Based Management Tools – ABMTs), avaliações de impacto ambiental e capacitação e transferência de tecnologia marinha. As Conferências Intergovernamentais, iniciadas em 2017, permitiram o desenvolvimento do texto final, adotado por consenso em 19 de junho de 2023 e aberto para assinaturas a 20 de setembro de 2023 durante a 78.ª Assembleia Geral da ONU. Organizações como a IUCN tiveram um papel ativo, fornecendo aconselhamento técnico, científico e jurídico independente e apelando à proteção do Alto Mar desde 2000.

O Tratado sinaliza uma nova era de conservação e utilização sustentável do oceano, respondendo a ameaças sem precedentes, entre as quais o aquecimento, a desoxigenação, acidificação, ondas de calor marinhas, poluição e sobrepesca. As áreas além da jurisdição nacional dos países representam cerca de 95% do volume oceânico, albergam uma biodiversidade excecional e são cruciais na luta contra as alterações climáticas. A entrada em vigor do Tratado é, portanto, um passo crítico para garantir a saúde, produtividade e resiliência do oceano.

O Tratado estrutura-se em quatro pilares fundamentais:

  • Ferramentas de Gestão Baseadas na Área, onde se integram as Áreas Marinhas Protegidas e os Ecossistemas Marinhos Vulneráveis (VMEs): Criação de redes ecologicamente representativas e interligadas de AMP em alto mar, abrangendo locais críticos para a biodiversidade tais como o Mar dos Sargaços. Estas áreas funcionam como pontos de repouso e alimentação para espécies migradoras, nomeadamente baleias, tartarugas e tubarões, e contribuem para a conectividade ecológica, funcionando ainda como vastos reservatórios de carbono azul, fundamentais na mitigação climática.
  • Avaliações de Impacto Ambiental: Introdução de padrões internacionais consistentes para avaliar e gerir atividades humanas em alto mar, garantindo transparência, mitigação de impactos e responsabilidade ambiental.
  • Partilha justa e equitativa dos benefícios dos Recursos Genéticos Marinhos: Regulação do acesso e utilização de recursos genéticos, assegurando equidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
  • Capacitação e transferência de tecnologia marinha: Garantia de apoio técnico, científico e financeiro aos países em desenvolvimento, fortalecendo capacidades locais e promovendo participação efetiva na implementação do Tratado.

Estas disposições são prioritárias para atingir objetivos globais de biodiversidade e clima, no âmbito da meta de proteger 30% da superfície terrestre e oceânica até 2030, conforme dita o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF 30×30).

A entrada em vigor do Tratado dará início à Primeira Conferência das Partes (COP1), prevista para o final de 2026, permitindo operacionalizar plenamente os instrumentos e definir os primeiros planos de criação de AMP em alto mar. Preparativos já em curso abrangem a identificação de áreas de importância ecológica, garantindo que a governança do alto mar seja baseada em ciência, justiça e cooperação internacional.

A rápida progressão da ratificação demonstra que existe uma resposta política global inequívoca para proteger o oceano, mas o Tratado só atingirá o seu pleno potencial com a participação universal dos Estados. A ZERO apela a todos os países que ainda não ratificaram o Tratado a fazê-lo com urgência, traduzindo este compromisso em resultados concretos para a conservação da biodiversidade marinha e a sustentabilidade dos ecossistemas oceânicos globais.